Eurico Borba, Relexões sobre a Crise Global ......

Sociologia´, Política e Religião

Textos

Monteclair em Belém
Monteclair em Belém


Para o paraense, amigo irmão, Carlos Alberto Menezes Direito.




Ouvi,
em Belém do Pará,
numa manhã muito quente, plena de sol,
numa velha igreja transformada em museu,
uma mocinha cantar
encantar
uma peça de Monteclair.
Ele, francês ensimesmado,
mestre refinado de séculos passados.
Ela, nissei,
estudara em Londres
e voltara para cantar,
como apreendera em venerando conservatório bretão,
para nós e para os seus pais
que vieram de Nagazaky,
lá onde, loucamente, estouraram
uma bomba,
fazendo com que migrassem,
para plantar pimenta do reino
nas margens do rio Guamá.


O museu, muito bem arrumado,
reunia turistas encalorados que tudo queriam saber,
rapidinho,
tudo comprar,
baratinho,
para lembranças levar de
Belém, a lá do Pará.
Eu só queria ouvir
a cantata,
em latim,
pura, cristalina, refrescante, encantadora,
linda,
naquelas paragens de sentimentos tropicais,
para as quais certamente não havia sido composta
nem pensada,
mas que cabia tão bem,
e que a menina meiga e afinada
agora, ternamente,
cantava.
Um pássaro mágico viera das matas
corporificando-se em menina? O uirapuru!?
Quem sabe, talvez...
quem sabe...tudo é mágico nessa região...
tão estranho, mágico, mágico, mágico.
Lembra, sim, o canto delicado e sutil,
instigador de tantas visões sensações,
que, uma vez, lá se vão anos, me disseram que ouvia nas matas
pros lados de Imbituba,
subindo o Tapajós,
nos meus tempos de IBGE
com os meus amigos, o Dalmy – santo homem geodesista,
e o Clovão, que só tinha um rim, um belo sorriso e contava ótimas estórias.


O canto, o canto – onde estou?
que dia é hoje? que horas são?
Magia sensível, palpável, naquele cosmo
amazônico
quente, suarento, sensual,
estranho, belo, integral,
entontecedor...
Já não sei se estou escutando o pássaro,
ontem,
com queridos amigos de outrora, nas matas, nos cerrados,
mapeando o Brasil,
ou a voz da jovem bela mulher,
hoje.

Sinto-me envolvido por saudades imensas,
com a intensidade da quentura que me abraça úmida.
Sei lá, sei lá...
Água, eu quero água, os sucos dos frutos da terra,
doces, ácidos e refrescantes como os seus nomes gostosos de dizer
- ta-pe-re-bá,
- cu-pu-a-çú,
- ba-cu-rí,
- se-ri-güé-la,
- pu-pu-nha
e a can-ta-ta,
can-ta-da em la-tim,
com bela voz – cultivada em Londres,
dando sentido e unidade, em instantes fugidios,
muito precisos,
aos diferentes atores de uma momentânea linda trama
cosmopolita, atemporal,
de gostos, cheiros, luz, chuva, brisas,
gentes de faces sulcadas pelo sofrimento,
suores,
faces felizes de esperança, jovens, muito jovens, inocentes...
tudo junto
numa igreja em que não mais se rezava,
- cantava-se,
como querendo descolar das brancas paredes,
das imagens de pau de olhos arregalados
pelo espanto com a santidade que eram obrigados a representar,
as orações sofridas de outrora,
não atendidas quase todas,
que naquele instante e lugar, em mais nenhum,
foram, então, resgatadas
por Nosso Senhor,
que não tem pressa - Seu tempo é outro -
não sente calor e sorri feliz,
agradecido que estava pela beleza do momento, criado por suas crianças,
que somos todos nós.
Ali, de realidade, somente o espaço tempo – não curvo – apenas acústico.
Agora não mais cores nem formas definidas,
nem cheiros, nada para apalpar, nenhum gosto,
nenhuma referência estável para estabelecer medições, comparações.
Unicamente sons assinalando a misteriosa suave Presença...
Sons que se impuseram ao momento com a simplicidade e a radicalidade
de uma folha que cai, cumprida sua missão.
Sons sublimemente organizados pelo o cravo e pela viola,
tudo arrumado, direitinho, pela voz
de uma menina moça
delicada e livre
que sabia cantar
e que Ele não tinha, nada parecido, lá no céu,
para poder escutar, gostar e sorrir.

Consciente do breve momento
de felicidade plena
conformei-me com a realidade que,
insolentemente, lá fora me aguardava.
Agradeci. Sorri e uma vez mais parti...



(Publicado in Antologia Literária nº 2, 2003, da Academia Baurense de Letras; e in Gerundio, Editora Maneco,2007)





Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 24/04/2008


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