Eurico Borba, Relexões sobre a Crise Global ......

Sociologia´, Política e Religião

Textos

A decadência e o provável fim da humanidade

A decadência e o provável fim da Humanidade

Publicado no Blog Diário do Poder de 18/04/25, Brasília DF

Esta é uma introdução pouco usual. Estou oferecendo um artigo longo, denso e com um título alarmante. Convido para uma leitura crítica e um extenso debate.
As sociedades ocidentais paradigmas que foram para a organização e o funcionamento econômico, social, político, jurídico, científico e tecnológico, para todo planeta, nos últimos três séculos, estão deixando de ser a inspiração maior da caminhada da Humanidade. A liderança da construção da história está se deslocando para o Oriente.
Controlar a inflação, recuperar o setor industrial tecnologicamente superado, estabelecer regras para o comercio internacional, curar doenças, melhorar a previsão do clima, pesquisar o fundo do mar e muito mais, os jovens de hoje, bem formados, sabem fazer com a ajuda das novas possibilidades que a informática e a inteligência artificial oferecem. Poucos, no entanto, tem condições de uma reflexão filosófica mínima sobre a razão da existência humana e da dignidade inata de todas as pessoas.
Um dos alicerces da Civilização Ocidental está na ação do Cristianismo, que consolidou a crença na dignidade inata das mulheres e dos homens, bem como a crença no destino transcendente de todos. Esta afirmação é encontrada na maioria das manifestações dos cientistas sociais, em todo o mundo.
A ética cristã, inspiradora da forma de organizar as sociedades visando a promoção do Bem Comum, da democracia, da liberdade, da justiça e da paz, crença que foi a fonte do pensamento político Ocidental e que proporcionou o ambiente indutor do progresso, deixou, nos dias atuais, de ser considerada uma reflexão importante. As pessoas que ainda guardam e defendem tais valores são tidos, frequentemente, como de baixo nível de formação intelectual e ultrapassados conservadores.
A ética, que embasou as regras morais em cada momento da história do Ocidente, não foi desenvolvida em “espaços públicos”, como querem alguns, mas sim nas orientações oriundas das reflexões em “espaços religiosos”, lugares de cuidadosas e continuadas investigações e estudos. Os primeiros textos organizando as indicações éticas iniciais, orientando para o bem e para o adequado comportamento humano, individual e coletivo, os “Dez Mandamentos”, foram explicitados continuamente durante séculos, tornando-se um dos mais importantes alicerces e inspiração do arcabouço social, político e jurídico do Ocidente, o que denominamos de “cultura greco-judaica-cristã”.
Percebe-se, nos dias atuais, que o mundo globalizado está transferindo para o Oriente os seus centros de decisão na economia, no desenvolvimento científico, tecnológico e nas experimentações de organização política das sociedades. O Ocidente lentamente perde a iniciativa, tornando-se seguidor dos ritmos e da maneira de ser oriental. Isso não é um mal, haja vista a tendencia irreprimível da globalização, que conduzirá, inexoravelmente, em algumas décadas, a existência de um só sistema de governança global e de um só país - o Planeta Terra, organizado num ambiente social e político que se quer justo, democrático, solidário e pacífico.
Não estamos dando o necessário reconhecimento e atenção ao que já está acontecendo no mundo, em termos de colaboração entre os países, por força das necessidades do comercio internacional, do turismo, das finanças globais, do controle de epidemias, do esporte, da gestão ambiental, bem como do combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas. Trata-se de real conquista da humanidade na direção da consolidação do processo de globalização e integração. Uma bem organizada rede de instituições, públicas e privadas, foram criadas e estão funcionando para a troca de informações e de cooperação entre os países, proporcionando os serviços necessários nestas áreas específicas, a todos os países. São experiências de cooperação que comprovam a possibilidade dos países se unirem para a conquista de outros objetivos, ultrapassando os rígidos preceitos reguladores da soberania dos países.
O que complica o processo social descrito é que isso não está acontecendo dentro da perspectiva da cooperação e da solidariedade, mas sim no bojo de iniciativas que estimulam a competição desmedida, a dominação, a exclusão e o conflito.
O Oriente mostrou excelência na resistência e na libertação do imperialismo colonialista. Rapidamente absorveram os saberes do Ocidente, aprimoraram os seus sistemas educacionais e as suas formas de organização da produção econômica, bem como a montagem de novos sistemas governamentais. Assim sendo, no último meio século, o Oriente passou a oferecer, não só os seus produtos e serviços com preços e qualidade competitivos, mas também um novo estilo de agir e de pensar.
No entanto, ao mesmo tempo cresce, a partir dos meados do sec. XX, nas sociedades Ocidentais e Orientais, um verdadeiro clima intelectual de deboche e de desprezo para com os valores religiosos e morais do passado, valores esses que permitiram a Humanidade chegar aonde chegou. O crescimento do individualismo e da ganância pela riqueza, pelo poder político e econômico, do constante estimulo ao fortalecimento do estilo de vida das classes sociais dominantes, passaram a ser os valores que presidem a vida coletiva das atuais sociedades. Não permitir a ascensão socioeconômica, da multidão dos excluídos, significa garantir a sobrevivência da classe dominante, com a sua atual envolvente e multifacetada configuração de dominação.
O ambiente político do mundo atual vem desconhecendo e desmerecendo as crenças morais e religiosas como variáveis políticas importantes, sem as quais não se conseguirá organizar as nações, unindo os povos em torno de um ideal. A politica sozinha não cumpre este papel.
Este é um conflito permanente, percebido desde a Antiguidade. As várias tentativas de organização das sociedades, com o propósito de melhor distribuir a riqueza gerada e o exercício democrático do poder político, não conseguiram resolver a questão da injustiça social, como foi o caso das experiências fracassadas do marxismo-leninismo. O liberal-capitalismo é o sistema que mais permitiu o florescimento da democracia, da liberdade política, do desenvolvimento científico e tecnológico, da economia e do emprego.  Milhões de pessoas, uma minoria em relação ao total da população mundial, em todo o espaço geográfico em que floresceu com sucesso as práticas do liberal-capitalismo, beneficiam-se de um estilo de vida prazeroso, seguro e promissor.
No entanto, este mesmo sistema sociopolítico, que se formou e se expandiu na Civilização Ocidental, não foi capaz de atender as necessidades da maioria das pessoas, fazendo surgir, em escalas diferenciadas em intensidade e extensão, nas várias nações que se formavam, bilhões de pobres e miseráveis, os excluídos, convivendo lado a lado com a riqueza. A ganância, o egoísmo, a insaciável sede de poder político e econômico, se expandiram à medida em que as sociedades se afastavam da aceitação e da pratica dos fundamentos do cristianismo: a compaixão, a caridade, o amor ao próximo, a solidariedade, a paz, a liberdade e a justiça social. Tais virtudes humanas ajudaram muito o crescimento da Civilização Ocidental, criando ambientes sociais capazes de induzir a criação e o constante aperfeiçoamento das Instituições Democráticas: o voto em eleições periódicas, os tribunais, os parlamentos, a imprensa livre, a autonomia universitária, os sistemas previdenciários e muitas outras manifestações dos povos, manifestadas no ambiente social criado  pela liberdade democrática. Hoje mencionar as virtudes citadas, como objetivos a serem recuperados, é se expor a críticas intimidadoras de se estar propagando praticas politicas despropositadas, superadas e disfuncionais.
Creio que vale a pena recordar uma frase irônica e provocativa de Jorge Luis Borges, intelectual e escritor argentino: “A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria e a maioria é formada de imbecis”. Talvez esta contundente afirmação ajude a reforçar a promessa, sempre proclamada e nunca cumprida, de ser a educação integral de qualidade a prioridade absoluta de qualquer governo. Sonha-se com a formação de cidadãs e cidadãos capazes de dominarem os saberes básicos e também exercer o senso crítico na escolha dos seus representantes nas eleições, bem como o efetivo apoio ou não às decisões políticas da sociedade.
A raiz da crise da Democracia, nos dias de hoje, se encontra na incapacidade do sistema de convivência, por ela inspirado, de resolver a questão da exclusão social.
Os povos não precisam apresentar uma religiosidade militante para que as virtudes citadas se manifestem, condicionando o comportamento das sociedades. Pessoas vivendo num ambiente social impregnado de valores morais, principalmente nas famílias, passarão, naturalmente, a reproduzir nas suas atividades profissionais e de convivência, aquelas formas de pensar e agir, como uma manifestação humana espontânea e natural. Esta manifestação cultural, enraizada na maneira de ser das sociedades, impregnando o comportamento da maioria das pessoas, como aconteceu muitas vezes no passado, poderá propiciar o surgimento de uma nova ordem social, política e econômica mais justa. As virtudes citadas foram socializadas, por séculos, no convívio familiar e nas comunidades que naturalmente surgiram, como, por exemplo, os sindicatos, as escolas e as universidades, os partidos políticos, os clubes de convivência cultural, esportiva ou de estudos.
Certamente criticarão estas observações afirmando que as Igrejas Cristãs foram opressoras, impediram o progresso das ciências, promoveram a perversidade das Cruzadas e da Inquisição, aliaram-se aos poderes totalitários e induziram os pobres a serem pacientes e submissos aos seus patrões e ao Estado. Estas afirmações são verdadeiras e devem ser observadas no contexto social do tempo em que ocorreram. Simplesmente julga-las, com os valores morais que hoje presidem o nosso pensar, pode nos conduzir a erros. Mesmo assim, com todos esses fatos acontecidos, o Cristianismo conseguiu impregnar, na cultura europeia e na das colônias americanas, o substrato comportamental das virtudes perenes citadas. É impossível negar a influência do Cristianismo no processo civilizatório do Ocidente.
A decadência do cotidiano das populações ocidentais acelera-se, com o abandono da crença nas pregações das religiões. As Igrejas Cristãs Históricas, locais privilegiados que foram na elaboração do pensamento ético, que condicionou a maneira de pensar e de ser dos povos do Ocidente, diminuíram suas influencias tanto no mundo político como no mundo acadêmico. Fernand Braudel, notável historiador francês, sintetizou com brilhantismo: “a Europa, (berço da Civilização Ocidental), tem sangue cristão”, (in Gramatica das Civilizações). Atualmente a certeza moral que fundamentava as iniciativas políticas, sociais e econômicas no passado recente, perdeu-se no ambiente orientado pela competição e ganancia, na busca incessante da eficiência e de maior produtividade, com a manutenção dos atuais sistemas de dominação social, política e econômicas, inclusive nos arranjos internacionais da economia e da política.
Todas as propostas politicas experimentadas, para resolver ou amenizar a questão social, fracassaram, como continuarão a fracassar, pois as ações sugeridas baseiam-se apenas em teorias, técnicas econômicas e políticas. Em momento algum se percebe, a não ser na demagogia dos discursos políticos, uma indicação efetiva da prioridade absoluta para a educação integral de qualidade e para o exercício da solidariedade, elementos fundamentais para que quaisquer políticas públicas possam ter sucesso na perspectiva do Humanismo: – a global abrangência da crença maior e primeira da dignidade inata da pessoa humana.
Caso a maioria das populações não se unam em torno de uma ideia de fácil compreensão, tais como: respeito mutuo, compaixão e solidariedade para com o próximo, nada poderá ser feito em termos de recuperação da tragédia humana que se avoluma. Alterações no comportamento social, político e econômico só acontecerão se a maioria dos povos apoiarem, não os detalhes das leis e normas de implantação das mudanças sugeridas, mas sim a inspiração, as motivações primeiras, as justificativas humanas para as alterações pretendidas – as virtudes morais que, precariamente, ainda justificam, sustentam e mantem as atuais sociedades.
Pouco efeito surtirão as medidas regeneradoras se a maioria dos homens e mulheres, em todo mundo, não começarem a envergonhar-se, (reação estimulada por valores morais), com os contrastes entre os ambientes sociais, com vida digna e prospera, e a enormidade de outros ambientes humanos de pobreza e miséria.
A Humanidade corre o risco de não sobreviver ao caos que ela mesma engendrou. Os pobres, os marginalizados das benesses do atual extraordinário progresso, não ficarão eternamente submissos às classes dominantes, satisfeitos com os poucos auxílios que recebem. Basta surgirem lideranças políticas com alguma articulação, com algumas promessas de redistribuição da riqueza e de maiores oportunidades de participação nas decisões públicas, para que bilhões de excluídos confrontem a injusta ordem estabelecida. Exigirão mudanças, seguindo lideres oportunistas e irresponsáveis, sem saber como esta transformação contestatória se dará, podendo até ampliar a anárquica confusão destruidora que eclodirá, pela inexistência de um pensamento básico de união em torno de valores humanos e morais.
O emprego, cada vez mais ameaçado pelo vertiginoso desenvolvimento da informática e da “inteligência artificial”, a injusta distribuição da renda, a indispensável recuperação do devastado meio ambiente e a erradicação da fome e da miséria, só prosperarão, no médio prazo, num novo ambiente social e político com alta densidade ética, solidário e austero.
  O atual contexto socio político começa a perceber estas reinvindicações, cada vez mais contundentes e frequentes, dos excluídos de todo o planeta. A percepção da injustiça, na participação dos benefícios da renda gerada, manifesta-se pela observação e comparação, principalmente pela televisão e pela internet, que permitem a visualização dos inaceitáveis contrastes no acesso aos bens e serviços, mesmo pelos analfabetos e os precariamente alfabetizados - as imagens falam por si. O forte amplo desejo de um novo modo de organizar e de fazer funcionar as sociedades, já é percebido pelo sistema político vigente, que reage atendendo algumas poucas reivindicações dos mais pobres, ao mesmo tempo em que promovem propostas autoritárias de reorganização do Estado, como forma de preservar e aperfeiçoar a dominação, sutil ou explicita, do poder político e econômico que exercem e de que se beneficiam. Tal ajustamento político, já em curso, pode ser denominado, numa definição ampla, de “a nova direita política”.
O atendimento das necessidades básicas das pessoas e a urgente recuperação ambiental, exigências que começam a ganhar força, bem como a maior participação dos povos nas decisões políticas e econômicas, num ambiente que se quer democrático, dar-se-á tão somente com a eleição de honestos e competentes candidatos, membros de partidos políticos decentes. São objetivos permanentes que ganham audiência em todo o mundo e que poderão vir a unir os povos, num grande movimento popular, que provavelmente acontecerá em futuro próximo, não por inspiração de teorias politicas revolucionárias, mas inspirados pelo sofrimento de bilhões de seres humanos. A exigência é o atendimento da obrigação moral de atender as necessidades básicas dos cidadãos: alimentação, saúde, moradia, transporte, segurança, emprego, educação de qualidade e meio ambiente integro. É impostergável o reconhecimento do efetivo direito de as pessoas viverem com um mínimo de dignidade. Este movimento de rebeldia construtiva começa a se manifestar e tais movimentações populares podem ser denominadas, também de forma ampla, como a “nova esquerda democrática”.
É preciso ter presente que a pobreza e a miséria, os excluídos, são obstáculos para a ampliação do sistema liberal-capitalista, que deles não precisa, pois apenas atrapalham, postergando novas expansões. O liberal-capitalismo, ao longo de décadas, aprendeu e aperfeiçoou, com sucesso, formas de dominação e de convivência com os excluídos.
Esta é a realidade, sempre deixada de lado nas explicações que o sistema dominante no Ocidente, incluindo aí o continente africano, oferecem aos povos. A grave crise que estamos a viver, em todo o mundo, exige coragem, competência, honestidade intelectual e repudio permanente à corrupção.
Um difícil e longo trabalho de modificação e de convencimento na maneira de ser e de pensar, das atuais sociedades, nos aguarda. A grandiosidade dos problemas interdependentes a serem enfrentados assusta. O que foi edificado sobre valores morais, capazes de unir os povos em torno do sonho de uma vida coletiva justa, solidária e pacífica, não tem como ser recuperado no ambiente atualmente dominante, essencialmente individualista, competitivo e ganancioso.
Referencias morais para reorientar o comportamento coletivo deve ser a tarefa primeira a ser executada. No Oriente, me parece que o mesmo deverá acontecer com a pregação das religiões tradicionais como o Islamismo, o Bramanismo, o Budismo, o Xintoísmo e o Confucionismo, onde a caridade, o acolhimento dos necessitados e a paz, fazem parte dos seus princípios basilares.
É preciso recuperar a crença na evidente importância da função política e social dos valores morais e religiosos. Não existe como legislar sobre a pratica moral dos povos. Não se estabelece crenças morais por intermédio de Leis. Fica evidente ser esta a missão das escolas, das universidades, do exemplo dos intelectuais com prestigio junto à população, das famílias estáveis e da pregação das Igrejas e Religiões históricas.
É necessário evidenciar a imprescindível necessidade da densidade ética no dia a dia das sociedades. Sem o majoritário ambiente de convívio humano moral, muito pouco poderá ser feito para a promoção do Bem Comum.
Com a palavra os estranhamente silenciosos Sistemas Educacionais, as Universidades, os Intelectuais, as Igrejas Cristãs Históricas, as Religiões Orientais Tradicionais e os poucos Partidos Políticos decentes de todo o mundo.
No urgente, inescapável e demorado trabalho de vencer a exclusão, a miséria, a fome e a recuperação do meio ambiente, que, pelo menos se construa, com urgência, um provisório sistema de convivência humana que ofereça, pelo menos, uma pobreza digna para os excluídos, garantindo o atendimento mínimo das suas necessidades básicas.
Esta não é uma proposição ingênua, pelo simples fato de que não há outra solução para os reais atuais graves problemas globais.

                “Você pode dizer que sou um sonhador
                Mas eu não sou o único
                Eu espero que algum dia você se junte a nós
                E o mundo viverá como um só”, (Imagine, John Lennon, 1971)


Eurico de Andrade Neves Borba, 84 anos, ex professor da PUC RIO, ex Presidente do IBGE, é do Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, mora em Ana Rech, Caxias do Sul, eanbrs@uol.com.br
Concordando, peço o favor de divulgar.
Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 18/04/2025


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